Em 1994 deu-se um passo importante na história do rap nacional, quando um grupo de jovens rappers decidiu dar voz e ritmo a uma vontade que se transformou num disco. Surgiu "Rapública" com a ajuda de Hernâni Miguel, produtor e figura histórica e bem conhecida de muitos músicos, em parceria com Tiago Faden, diretor artístico e executivo da coletânea, e rapidamente aquele disco se tornou num estandarte, para todos os que até então tinham muito pouca ou nenhuma visibilidade, mas tinham uma enorme vontade de colocar o rap no mapa musical português. Boss AC, Black Company, Family, Funk D, Líderes da Nova Mensagem, New Tribe e Zona Dred saíram do anonimato para o top nacional de vendas e, no caso particular dos Black Company, voaram para as gargantas de um país que cantava em uníssono o refrão de "Nadar". A canção, que ainda hoje é um ícone do rap nacional, chegou inclusivamente a andar nas bocas de personalidades públicas e até políticos, quando um deputado usou o refrão do tema para fazer uma intervenção na Assembleia da República. O gesto, icónico e irónico, transformou-se num momento de contestação usado em muitas outras ocasiões.
Foram sete projetos, com duas músicas cada, que deram forma a esta coletânea. Os Black Company começam com o já mencionado "Nadar" e assinaram também "Psyca Style". De Boss AC podem ouvir-se "A Verdade" e "Generate Power". A Family contribuiu com "Hip Hop Está no Ar" e "Rabola Bô Corpo", enquanto Funk D assinou "Minha Banda" e "É Natural". Dos Líderes da Nova Mensagem podem ouvir-se "Rap É Uma Potência" e "Sê Tu Mesmo". Os dois contributos da New Tribe são "Palavras" e "Summer Season" e, para terminar a lista, a Zona Dred gravou "Putos da Rua" e "Só Queremos Ser Iguais".
Pelos títulos das músicas, consegue logo perceber-se a enorme importância que este coletivo de rappers teve na sua geração e nas que lhes seguiram os passos. A luta e a mais que legítima contestação por direitos e oportunidades iguais, ainda hoje se mantém e é bem visível a relutância, de muitos quadrantes da política e da sociedade, em mudar este cenário. Estes nomes e todos os outros que fazem parte deste género musical, também ele muitas vezes incompreendido e marginalizado, têm agora este merecido reconhecimento por parte da Sony Music, que apostou em reeditar este importante disco pela primeira vez em vinil e de o disponibilizar também nas plataformas digitais. Esta reedição, para além de celebrar um marco da história da música portuguesa, pode e deve ser entendida como uma excelente forma de mostrar que as assimetrias não são um assunto de hoje e muito menos são um assunto encerrado e enterrado no passado. Aqui estão retratados quadros sociais com 28 anos e não há praticamente diferenças nenhumas com o que acontece hoje. Esta forma de luta já vem desde o início da década de 80 e estas palavras são a melhor defesa que estes artistas encontram para tentar travar os constantes ataques de que são alvo muitos dos que são empurrados para as periferias, que vivem nos bairros sociais maioritariamente esquecidos e degradados, e para os quais a restante sociedade insiste em viver de costas voltadas. Mas, tal como acontece noutros géneros da música de intervenção, e sim, o rap é música de intervenção, quando a melodia é boa e o refrão é orelhudo, todos gostam de cantar, mesmo que não percebam nada da mensagem.
E a mensagem de Bossa AC no tema "A Verdade", diz tudo.
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