fotografia: Lucas Tavares / capa: Ana Viana
Cara de Espelho parte das palavras e composições de Pedro da Silva Martins (autor e compositor de Deolinda, Ana Moura, António Zambujo, Lena d ́Água), às quais se associam as construções de instrumentos de Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa, José Afonso, Fausto, GAC), o baixo de Nuno Prata (Ornatos Violeta), as guitarras de Luís J Martins (Deolinda, António Zambujo, Cristina Branco) e as percussões de Sérgio Nascimento (Sérgio Godinho, David Fonseca, Humanos, Deolinda) para servir a voz profunda, envolvente e inconfundível de Maria Antónia Mendes (A Naifa, Señoritas).
Servindo como porta de entrada para a sonoridade do grupo, os dois singles de estreia desvendam uma identidade sonora e poética devedora da riqueza da música popular e tradicional portuguesa, da acutilância crítica dos seus poetas e cantautores, mas os olhos postos num futuro que exige renovação, intervenção e compromisso com o mundo.
"Corridinho Português" assume-se como uma recriação da identidade musical tradicional resignificada com arranjos modernos e uma letra acutilante, que é também um comentário interventivo num mundo povoado de divisões religiosas, políticas, identitárias ou étnicas. Se a diversidade é a riqueza que nos constitui, "que tal juntar a malta numa boa / a um corridinho de Lisboa / volta e meia e roda o par"? Como lembrava o Zeca, faz mesmo falta avisar e animar a malta. Especialmente neste tempo hostil onde é mais triste "quem fica a ver dançar".
Já "Político Antropófago" desvenda outra faceta da identidade do projeto, mais soturna e nebulosa, e que em tons menores nos fala dessa criatura necrófaga que "crava a unha, carne, pele e osso / ferra o dente sedenta no pescoço". Olhos atentos a esta personagem do assombro, de fúria gulosa e alimentada pela TV onde "na régie querem sangue, pedem sangue". Voltamos ao Zeca que toda a cautela é pouca para estas criaturas famintas que "comem tudo e não deixam nada".
Os vídeos de "Corridinho Português" e "Político Antropófago", da autoria e coordenação da realizadora Joana Brandão, com composição, edição e grafismo de Maria Inês Carrola e Ricardo Madeira, trazem vida a estes dois lados de Cara de Espelho. "Corridinho Português", através da edição de várias imagens recolhidas pelo fotógrafo Rui Palha, acentua a diversidade e colagem de rostos, corpos, expressões e movimentos que ilustram e reforçam a diversidade que nos forma como comunidade e de que fala a música e a letra.
No caso de "Político Antropófago", representa-se a espetacularização dos novos e velhos populismos e a forma como nos procuram remeter à condição de espectadores perante uma necro-política banalizada pelo poder mediático e as suas representações. Duas propostas diferentes entre si, mas que partilham a mesma linguagem e representam os primeiros traços da identidade deste novo projeto.
Com a estreia dos dois singles, Cara de Espelho anteciparam o início de um percurso criativo que os trouxe até ao lançamento do disco de estreia editado hoje, 26 de janeiro, e às primeiras apresentações ao vivo do projeto, agendadas para 24 de fevereiro em Braga e 2, 5 e 18 de março em Faro, Lisboa e Porto, respetivamente.
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