“Quero ficar em Portugal. Bendita não volta para Timor-Leste”, afiança à agência Lusa Bendita Belo, uma das quatro mulheres de um grupo de 26 timorenses que mora no anexo de uma casa, no centro de Serpa, no distrito de Beja.
Bendita e o grupo com que coabita são uma pequena parte dos muitos imigrantes timorenses chegados, nos últimos meses, à cidade alentejana. Após lhes terem prometido, no seu país, uma vida melhor em Portugal, acabaram por ver-se em terras portuguesas sem trabalho e sem dinheiro.
Com o portão que dá acesso ao anexo da casa quase sempre aberto, o ‘entra-e-sai’ é uma constante, já que só três elementos deste grupo conseguiram arranjar trabalho.
Os que não trabalham passam o tempo como podem, entre a rua e a casa, quase sempre com telemóveis na mãos ou simplesmente sentados.
Tal como Bendita, também Mariano Silva explica que, agora que está em Portugal, quer ficar para procurar trabalho, depois de ter pedido “cinco mil dólares” a “outros”, no seu país, para, através de “uma agência”, sem indicar qual, comprar o bilhete para a viagem.
“Agora, é uma vida ainda confusa, mas acredito que ainda é cedo”, diz, em inglês, Mariano, de 27 anos, que, desde que chegou, há três meses, trabalhou apenas “três dias” na agricultura e, desde então, está sem trabalho.
Perto da hora de almoço, enquanto um dos imigrantes prepara frango frito numa frigideira, em cima de um pequeno fogão elétrico portátil colocado no chão da cozinha, outros cozem arroz numa panela, também elétrica.
Atento aos problemas dos timorenses em Serpa, Alberto Matos, dirigente da associação Solidariedade Imigrante, acompanha quase diariamente estas pessoas e ajuda-as a tratar da documentação para que possam encontrar trabalho em Portugal.
“O regresso é difícil, porque os agiotas e os cobradores de dívidas estão lá [em Timor-Leste], e a maioria, seguramente, tentará subsistir por aqui e até fazer aqui a vida”, assinala o responsável.
Estes imigrantes timorenses estão a ser “forçados a pagar as dívidas” que contraíram para viajar para Portugal e as famílias que ficaram em Timor-Leste também “estão reféns”, diz.
“Por isso é que já ouvimos pais a pedirem-nos: ‘por favor não deixem o meu filho voltar’”, conta, relatando que alguns timorenses em Serpa já admitiram que contraíram dívidas em que são cobrados “juros de 100%”, ou seja, se “pediram 2.000 euros, têm que pagar 4.000 euros”.
O dirigente associativo revela que os timorenses já fizeram “pequenos trabalhos na apanha de fruta e na vindima” e, agora, têm perspetivas de trabalho em relação à campanha da azeitona, cuja mão-de-obra “é disputada por muita gente”.
Admitindo que “alguns deles alimentam o sonho europeu” e encaram “Portugal como ponto de passagem”, Alberto Matos adverte que o problema é conseguirem trabalho “com o mínimo de qualidade e condições para que se possam fixar”.
“Agora, eles querem não só pagar as dívidas, mas querem construir o futuro. Só que esse futuro tem um lastro muito pesado, que são milhares de dólares ou de euros”, diz.
No sobrelotado anexo, cada um dos quatro quartos chega a ter três beliches, só com colchão e sem lençóis. Amontoados nos cantos das divisões e debaixo das camas podem ver-se malas de viagem e outros objetos pessoais, como sapatos.
Num dos quartos, Bendita Belo, de 42 anos, está sentada num banco de plástico a falar ao telemóvel com a família. Tem seis filhos, três rapazes e três raparigas, que ficaram com os avós, em Timor-Leste.
Os timorenses “gostam de trabalho, mas agora não têm”, lamenta Bendita, que fala pouco português, mas o suficiente para explicar que deixou o emprego que tinha como empregada de limpezas num hospital em Baucau, a segunda maior cidade de Timor-Leste, para viajar para Portugal.
Sem dinheiro para a alimentação, o grupo sobrevive com a ajuda da população da cidade alentejana, que fornece arroz, carne e peixe, mas a comida, como reconhece esta mulher timorense, é sempre pouca.
O senhorio do anexo já os ameaçou de despejo, mas os timorenses alegam que o homem que lhe prometeu dar trabalho é que combinou pagar a renda.
Em Serpa, a população já se habituou aos trabalhadores imigrantes, mas a chegada dos timorenses não passou despercebida.
Na esplanada da Taberna da Cruz Nova, o cliente Bento Veiga traça diferenças entre estes e outros imigrantes em Serpa. Na sua opinião, os timorenses “não querem trabalhar” em Portugal e só procuram obter documentação portuguesa “para irem para a Europa”.
Sem entrar nesse tipo de comentários, a funcionária Tânia Camões, enquanto serve cerveja aos clientes, diz à Lusa que costuma ver os timorenses “sentados ao telemóvel” na rua e que “não se metem em problemas”.
São um povo “bastante pacato”, diz, indicando que a taberna já os tem ajudado, quando sobra pão ou comida.
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