“A implementação do processo foi afetada pela [pandemia] covid-19, que monopolizou atenções e recursos da administração central e dos municípios, mas outras dificuldades resultaram de insuficiências na fundamentação e planeamento”, indicou o TdC, num relatório sobre a transferência de competências para os municípios, com base em dados de janeiro de 2019 a setembro de 2022.
Segundo o relatório da instituição que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas em Portugal, “não se encontra evidência da existência de estudos atualizados que permitissem identificar os domínios a descentralizar”, bem como a estimativa dos ganhos de eficiência e os critérios de apuramento dos montantes a integrar no Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD).
O processo de transferência de competências da administração central para os 278 municípios de Portugal continental começou no final da década de 1990, tendo-se iniciado um novo ciclo em 2018, com a lei n.º 50/2018, em que “são elencados 23 domínios de competências a transferir”, com áreas de grande dimensão estratégica e financeira, como educação, saúde e ação social, mas também áreas mais específicas em que a gestão pode ser potenciada localmente, como as praias, a habitação e as áreas portuárias, referiu o TdC.
O processo de transferência estava previsto decorrer de forma gradual entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021, mas os prazos “foram largamente ultrapassados”, designadamente na educação e saúde foram prorrogados até março de 2022.
Contudo, a transferência nessas duas áreas só avançou com a celebração de acordos com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), em julho de 2022, e na ação social foi adiado até abril de 2023.
O tribunal considerou que os ajustamentos introduzidos no processo, através de acordos com a ANMP, pretenderam “satisfazer alegadas insuficiências no financiamento e na operacionalização das transferências ou na partilha de responsabilidades, não se encontrando consolidados mecanismos estáveis e transparentes de financiamento das competências a descentralizar”.
De acordo com as Leis do Orçamento do Estado e com os relatórios de acompanhamento da Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), os recursos financeiros a transferir da administração central para os municípios respeitam apenas às competências transferidas nos domínios da educação, cultura, saúde e ação social.
Relativamente à aceitação das competências, segundo dados de setembro de 2022, a cultura é já exercida por 40 municípios de um universo de 63, a saúde conta com 52 autos celebrados de um universo de 201 municípios e a ação social conta com 75 de 277 (não inclui Lisboa onde essa área é exercida pela Santa Casa da Misericórdia). A educação é assumida pela globalidade dos 278 municípios de Portugal continental.
“O valor previsto para o envelope financeiro foi evoluindo ao longo do tempo, sendo que para 2023 a previsão seria de 1.300,4 milhões de euros [ME]”, indicou o TdC, revelando que a educação representa 83% do total, com 1.080 ME, a saúde 9,8% (128 ME), a ação social 7,0% (92 ME) e a cultura apenas 0,1% (1 ME).
O tribunal revelou ainda que “a maior alocação do FFD ocorre nos municípios com maior população, por norma localizados no litoral, com destaque para Lisboa (49,4 ME), Sintra (40,1 ME), Porto (29,0 ME), Loures (28,9 ME) e Vila Nova de Gaia (28,8 ME)”.
Porém, ressalvou a instituição, alguns dos que mais recebem estão entre os que apresentam menores valores de financiamento por residente e outros que menos recebem apresentam dos valores mais elevados por residente, como Barrancos.
Para o TdC, “um processo desta natureza, e concretamente o FFD, requeria a definição de uma fórmula de cálculo estável e transparente, com o envolvimento das partes interessadas, em momento prévio”.
“O acompanhamento e a monitorização do processo de descentralização têm revelado muitas fragilidades”, reforçou o tribunal, salientando que a Comissão de Acompanhamento da Descentralização não procedeu à avaliação da adequabilidade dos recursos financeiros de cada área de competências e que existe “a ausência de uma visão estruturada e a nível nacional da evolução do processo”.
O TdC apresentou um conjunto de recomendações, nomeadamente para se cumprir os novos prazos, garantir a estabilidade do financiamento e se evitar sobreposições ou situações de sub ou sobrefinanciamento.
Segundo o tribunal, o Governo manifestou a intenção de, genericamente, acolher as recomendações.
O processo foi submetido a vista do Ministério Público, que destacou a ausência de “quaisquer indícios de infrações financeiras de que caiba ao Ministério Público conhecer, ou outros que envolvam matéria integrante de responsabilidade a ser investigada em sede da competência de outras jurisdições”.
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