"Quando em Abril, afinal,
a maioria nem sequer sabia
do dia do recital
juntou-se um povo em poesia.
Naquela data bem-vinda
que nos tornou mais livres e humanos
e os poetas cantam ainda
passados 50 anos.
……………
“Foi difícil chegar a esse dia,
facilmente sentido e entendido,
nas poucas vezes em que a harmonia
se pôde achar na rua e no ruído.”
……………...
“Estava cá e vi Abril,
por quase todos saudado,
passar de primaveril
a pormenor do passado.
Passar de dia sagrado
a dia que se adiou
e o que ainda não passou
passar a ser disputado.
Eu estava. Com a alegria
e a certeza que me dava
de que só o entenderia
quem nesse dia cá estava.”
……………
Mas, se é preciso um poema adequado
a este dia chamado “da poesia”,
eu vou dizer-vos um que está guardado
e que nasceu sem eu saber o dia.
Inédito, talvez não faça mal
afinal eu mostrá-lo já agora.
É acerca da língua, sem a qual
a poesia esfria ou evapora.
……………
“Vocês da língua não dão conta dela.
E não são só os poetas que a semeiam,
que a cavalgam, que a esporeiam,
que fazem amor com ela.
Há quem a torna às vezes mais enfática
e menos antipática e hermética,
quem a cria com erros de gramática,
quem põe a eufonia na fonética.
Nunca a prendeu o que por ela zela.
Cria-a aquele que a contraria mais,
que ao dizer a palavra a atropela,
que normaliza as formas anormais.
Não há ninguém que a mate nem que a ate.
Enquanto houver viventes, ela é viva.
Ela chama o amor, toca a rebate,
torna-se terna ou torna-se explosiva.
Ela é amarga, é doce, ela é macia.
Ela é permeável, indomável, bela.
Ela não morre, escorre, é escorregadia.
Vocês da língua não dão conta dela."
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