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Opinião

"Odair Moniz. Um rastilho que incendiou Lisboa"

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"Odair Moniz. Um rastilho que incendiou Lisboa"

Foto: Rádio Voz da Planície

"Nos últimos dias todos temos seguido com atenção (e muitos de nós, com espanto) os acontecimentos que têm assolado parte da chamada Grande Lisboa. Foram dezenas, os autocarros, carros e caixotes de lixo ardidos nos concelhos do Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures e Vila Franca de Xira" refere a crónica de opinião de Paulo Monteiro, autor, que pode ler-se e ouvir aqui.

"Mais grave ainda: foram feridas sete pessoas (entre elas dois polícias que foram apedrejados) e cinco cidadãos esfaqueados ou queimados, nomeadamente um motorista da Carris, que ficou com queimaduras graves. Uma esquadra da PSP foi atacada com cocktails molotov…

É inadmissível aceitar este tipo de atitudes, no nosso país. Não podemos estar reféns de um grupo de criminosos que afronta sem pudor a autoridade do Estado (que nos representa – e defende – a todos).

Não podemos aceitar este clima de guerra civil nas nossas ruas.

Tal como não podemos aceitar que um cidadão (cadastrado ou não) seja baleado mortalmente por um agente da PSP. Segundo creio, um jovem de 22 anos que não soube lidar com a situação e que agiu erradamente debaixo de uma enorme tenção.

A verdade é que morreu um homem que não devia ter morrido. E isso é inaceitável.

Como alguém disse, perdemos todos. Perdeu Odair Moniz, porque morreu. Perdeu a família. Perdeu o agente. E perdeu o Estado.

Interessa averiguar em que circunstancias ocorreu esta tragédia. E esclarecer de vez as declarações da polícia, que são contraditórias.

Já morreu demasiada gente baleada pela polícia. Já morreram demasiados policias, baleados por criminosos. O nosso país não é isto…

Quando era jovem trabalhei em vários bairros de Lisboa (que mais tarde receberam a designação de “bairros problemáticos” ou “periféricos” - embora integrem a malha da cidade). Bairros habitados muitas vezes por imigrantes de primeira geração, como se diz. Fui sempre bem recebido, com gentileza e educação. Vi muita pobreza, mas também muita dignidade. Estávamos em meados dos anos 90 e os problemas de habitabilidade e inserção eram gritantes.

De então para cá melhoraram algumas coisas. Pioraram muitas mais. Houve, nitidamente, um elo que se quebrou. Os mais jovens não se reveem neste país. E muito menos no país de origem dos seus pais ou dos seus avós. Estão entre dois mundos, o que significa que não estão em lugar nenhum. Não é difícil cair na marginalidade quando se olha em frente e não se vê nenhum horizonte. Isto não é desculpável. Mas é constatável.

Que se apurem os responsáveis por estes atos inadmissíveis (a morte de Odair e a onda de criminalidade que surgiu a seguir). Que sejam punidos à face da lei os que tiverem que ser punidos. E que seja feita uma investigação séria para apurar a atitude da Polícia. Este país é um país decente.

Vi na televisão várias pessoas a dizer que a Polícia entra nos bairros e que bate indiscriminadamente em tudo o que mexe. Vi várias pessoas a dizer que têm medo da Polícia. As mesmas pessoas que se levantam às 5h00 da manhã para limparem escritórios e casas de banho. Como é possível que estas pessoas tenham medo da Polícia? A maior parte, tudo o que quer é o melhor para si e para os seus filhos. Como todos nós, aliás.

É urgente uma política e uma Polícia de inclusão. São urgentes melhores condições de habitabilidade, melhores ordenados, creches, jardins, campos de futebol, beleza, trabalho, cultura, educação.

A criminalidade não vai acabar. E muitas bolsas de marginalidade também não. O Mundo está longe - muito longe - de ser um lugar perfeito. Aliás, está longe de ser um lugar decente para a maioria dos seus habitantes. Mas pode ser um lugar melhor.

O futuro de muitos destes jovens (porque são essencialmente os jovens que provocam estes desacatos) não pode estar hipotecado à partida. É preciso dar-lhes uma oportunidades e horizontes. Temos essa obrigação.

Que se exerça a autoridade sobre os culpados. E que se trabalhe sem descanso até que todos possam exercer a sua cidadania de pleno direito.

Aproveito para vos deixar uma sugestão de leitura: o livro de banda desenhada “Histórias do Bairro”, com desenhos de Bartolomé Seguí e argumento de Gabi Beltrán, publicado pela Levoir. Uma história de marginalidade e exclusão nos bairros pobres de Palma de Maiorca, que é também a história de Gabi Beltrán. Às vezes é difícil contrariar o destino."


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