"Uns creem que é qualquer Deus, esse ser etéreo e invisível, que determina o que somos e como nos comportamos. Outros, adeptos de produtos naturais de inalação rápida, acreditam em unicórnios coloridos e chakras mais ou menos (des)alinhados. Por fim, há os que se questionam. Os que procuram algum sentido - mais ou menos científico e plausível, mas, acima de tudo, credível - para esta passagem da Humanidade pelo planeta.
Se fossemos apenas a casca, tudo seria mais fácil. Nascíamos, de pele lisinha e robustos. Entrávamos na idade assim-assim, onde, alegremente, nos limitávamos a procriar e tentar sobreviver a um mais forte predador e, no final, definhávamos, acabando por fazer parte do composto vegetal que cobre o chão das florestas intocadas pelo Homem. Tudo limpinho e sustentável.
Mas não. Algo se encarregou de transformar uma coisa natural num emaranhado de cenas que ninguém consegue explicar. Polegar oponível, evolução, o fogo e mais a roda, ciência e idas ao espaço, ansiedade e depressão, a moda, o consumo alucinado e doenças incuráveis. Bombas nucleares e a presumível extinção da raça, por disputas de poderes e comparação de tamanhos de órgãos vários, entre indivíduos do sexo masculino.
No fundo, continuamos a ser apenas a casca. Mas, lá dentro correm rios de lava enfurecidos e enrolam-se fios em novelos que nunca mais se vão desatar, por muito Prozac que se enfie para o bucho. Há um bater de asas no peito a cada emoção nova e, sinapses desreguladas por excesso de oxitocina, tornam lindo aquilo que, para outros, é apenas mais uma casca banal.
Caminhamos, desvairados, em busca de algo intangível, adoecemos quando não alcançamos, explodimos de euforia quando cremos, erradamente, que conquistámos. Numa palavra: amamos e odiamos. [afinal, foram duas]
Procuramos a luz, sempre a luz, que nos guie até ao paraíso imaginado. E, nessa demanda, esquecemos que o infinito (e mais além) apenas foi feito
para que não paremos nunca de caminhar. E assim nos cansamos, exaustos a cada nova milha percorrida, sem dar conta da flor que brota mesmo ao nosso lado ou do céu escuro em que uma única estrela polar nos indica o Norte.
Somos uma espécie que não tem conserto, mas tentamos consertar todos os demais e ignorar o inevitável: O fim, esse desfecho anunciado, desde o primeiro fôlego com que abrimos os pulmões ao mundo.
Esse desfecho em que, finalmente apenas matéria orgânica, nos fundimos com a terra e os bichos para (talvez) um novo renascer."
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