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Opinião

"Não somos mais do que uma casca orgânica"

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"Não somos mais do que uma casca orgânica"

Foto: Rádio Voz da Planície

"Não somos mais que uma casca orgânica, de matéria em diferentes estados de decomposição. Não somos mais que uma casca orgânica, de matéria em diferentes estados de decomposição. O que nos preenche, aquilo a que se convencionou chamar de "alma", ainda está por explicar", começa assim a crónica de Maria Manuel Coelho, antropóloga, que pode ouvir, e ler, aqui.

"Uns creem que é qualquer Deus, esse ser etéreo e invisível, que determina o que somos e como nos comportamos. Outros, adeptos de produtos naturais de inalação rápida, acreditam em unicórnios coloridos e chakras mais ou menos (des)alinhados. Por fim, há os que se questionam. Os que procuram algum sentido - mais ou menos científico e plausível, mas, acima de tudo, credível - para esta passagem da Humanidade pelo planeta.

Se fossemos apenas a casca, tudo seria mais fácil. Nascíamos, de pele lisinha e robustos. Entrávamos na idade assim-assim, onde, alegremente, nos limitávamos a procriar e tentar sobreviver a um mais forte predador e, no final, definhávamos, acabando por fazer parte do composto vegetal que cobre o chão das florestas intocadas pelo Homem. Tudo limpinho e sustentável.

Mas não. Algo se encarregou de transformar uma coisa natural num emaranhado de cenas que ninguém consegue explicar. Polegar oponível, evolução, o fogo e mais a roda, ciência e idas ao espaço, ansiedade e depressão, a moda, o consumo alucinado e doenças incuráveis. Bombas nucleares e a presumível extinção da raça, por disputas de poderes e comparação de tamanhos de órgãos vários, entre indivíduos do sexo masculino.

No fundo, continuamos a ser apenas a casca. Mas, lá dentro correm rios de lava enfurecidos e enrolam-se fios em novelos que nunca mais se vão desatar, por muito Prozac que se enfie para o bucho. Há um bater de asas no peito a cada emoção nova e, sinapses desreguladas por excesso de oxitocina, tornam lindo aquilo que, para outros, é apenas mais uma casca banal.

Caminhamos, desvairados, em busca de algo intangível, adoecemos quando não alcançamos, explodimos de euforia quando cremos, erradamente, que conquistámos. Numa palavra: amamos e odiamos. [afinal, foram duas]

Procuramos a luz, sempre a luz, que nos guie até ao paraíso imaginado. E, nessa demanda, esquecemos que o infinito (e mais além) apenas foi feito

para que não paremos nunca de caminhar. E assim nos cansamos, exaustos a cada nova milha percorrida, sem dar conta da flor que brota mesmo ao nosso lado ou do céu escuro em que uma única estrela polar nos indica o Norte.

Somos uma espécie que não tem conserto, mas tentamos consertar todos os demais e ignorar o inevitável: O fim, esse desfecho anunciado, desde o primeiro fôlego com que abrimos os pulmões ao mundo.

Esse desfecho em que, finalmente apenas matéria orgânica, nos fundimos com a terra e os bichos para (talvez) um novo renascer."

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