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Festa das Maias: tradição romana com mais de dois mil anos celebra-se em Beja

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Festa das Maias: tradição romana com mais de dois mil anos celebra-se em Beja

As crianças, vestidas de branco, ornamentadas com flores silvestres, sentadas nos seus “tronos” pedem a quem passa “um tostãozinho para a Maia que não tem saia” é a tradição romana, com mais de dois mil anos, que se volta a celebrar hoje de manhã em Beja, nas Portas de Mértola. A organização é da responsabilidade da Associação para a Defesa do Património Cultural da Região de Beja (adpBeja).

O artigo de Filomena Barata, do Museu Nacional de Arqueologia, que a seguir se transcreve, foi publicado no "Diário do Alentejo" de 4 de maio de 2017, com o título "Maias: a mais antiga celebração religiosa", e explica esta tradição romana com mais de dois mil anos.

"As Maias constituem um ciclo de festivais que, em Roma, se relacionavam com o despertar da natureza, lembrando antiquíssimos cultos agrários.

Para os gregos, Maia era a mais velha das Plêiades, uma das sete filhas de Atlas e que, unida a Zeus, foi mãe de Hermes, o mensageiro dos deuses, conhecido por Mercúrio entre os romanos, ancestralmente considerado uma divindade agrária e da pastorícia.

Já na mitologia romana, Maia surge-nos como uma antiga divindade itálica, filha de Fauno e esposa de Vulcano, o deus romano do fogo (Hefesto na mitologia grega). Era designada de Maia Maiesta e também de Fauna ou Bona Dea (deusa das Deusas).

Deusa da primavera, Maia deu nome ao mês de maio, que lhe era consagrado. No primeiro dia de maio, o flâmine de Vulcano sacrificava-lhe uma porca grávida.

Era essencialmente venerada por mulheres, sendo os homens excluídos do perímetro sagrado dos seus templos.

Embora não estando relacionadas originalmente, as duas divindades de origem grega e romana acabaram por ser identificadas uma com a outra.

Muito provavelmente associando-se remotamente a esses rituais de sagração da primavera, provém o hábito de pendurar giestas às portas e janelas, nos portões, cancelas, carros de lavoura e até nos próprios animais, em muitas localidades portuguesas, afastando o “burro”, igualmente chamado em algumas zonas o “carrapato”, ou seja, o mau agouro que possa ser nefasto para as colheitas, no início do mês de maio.

E as Maias, meninas vestidas de branco e coroadas de flores, ou as “marafonas”, as bonecas de pano ou de palha vão sentar-se à porta de casa, na esquina da rua ou na praceta, pedindo “um tostãozinho para a Maia”.

Regiões há onde se enfeitam ruas e edifícios com coroas de flores de giestas, chamadas maia ou maio.

Ainda hoje as Mais se podem considerar um dos rituais mais expressivos do ponto de vista da história religiosa antiga, que permaneceu, segundo alguns estudiosos, sem grandes alterações desde o século V, e que se exprime, com variantes, em vários pontos do País, celebrando, tal como acontecia na Roma Antiga, o despertar da natureza, a fertilidade vegetativa.

José Leite de Vasconcelos, nos seus Opúsculos, Volume V – Etnologia, publicado em 1938, refere que a mais “antiga menção desta festa popular, festa evidentemente naturalística, posto mais ou menos desviada da sua significação primitiva, já pelo próprio Paganismo, já pelo Cristianismo, creio que se acha nestas linhas da Postura da câmara de Lisboa de 1385: ‘Outro sim estabelecemos que daqui em diante em esta Cidade e em seu termo não se cantem as Janeiras nem Maias, nem outro nenhum mês do ano’”.

Aceita-se ainda que a tradição das Maias possa remontar ao episódio da fuga de Jesus para o Egito, dada a perseguição de Herodes que ordenara a morte do Menino. Quando se identificou a porta da casa onde pernoitou, foi colocado um ramo de giesta na porta para que os soldados de Herodes a pudessem reconhecer e o fossem buscar. Milagrosamente, quando os soldados se dirigiam à cidade, foram confrontados com as casas todas enfeitadas com ramos de giesta florida, não podendo assim cumprir a sua missão. Mas há quem recorde também o caminho da sagrada família para o Egito, quando Maria, para se orientar, terá colocado giestas no seu caminho.

Contudo, dada a altura do ano, correspondendo à época de florestação, da plenitude da primavera, aceitamos que os seus antecedentes possam filiar-se em cultos bem mais antigos.

Derivando da palavra latina flos (flores), Flora era, por sua vez, uma ninfa romana das flores, também intimamente ligada à primavera. Porque um novo ciclo começa com a entrada dessa estação, Flora surge-nos assim como deusa da fertilidade. Durante os festejos que lhe eram dedicados em Roma, atiravam-se sementes sobre a multidão para atrair a abundância, situação em que podemos encontrar algum paralelismo no hábito de deitar arroz aos recém-casados.

Eram também sacrificadas ovelhas e ofertado mel e sementes de flores. O mel era exatamente considerado um dos presentes que Flora tinha dado aos seres humanos, simbolizando, neste caso, a abelha a força feminina da natureza. Flora foi inúmeras vezes associada a Deméter, a Ceres dos romanos de que falaremos, e o poeta Ovídio (43 a.C. — 17 ou 18 d.C.) chega mesmo a relacioná-la com a mitologia grega, identificando-a com a ninfa grega Cloris, embora a origem da divindade seja também itálica.

Segundo a versão do Mito de Ovídio, um certo dia de primavera, Zéfiro, o vento oeste, avistou a ninfa Cloris, apaixonou-se por ela e transformou-a em Flora. Como prova de seu amor, Zéfiro nomeou a sua amada como rainha das flores, das árvores frutíferas e concedeu-lhe o poder de germinar as sementes das flores de cultivo e ornamentais, entre elas o cravo.

Já em abril, mês de Vénus e das rosas que eram seu atributo, se elogiava na antiguidade o renascer da vida.

A rosa, considerada “a rainha das flores” pela poetisa Safo no século VI a.C., teria sido criada, segundo a mitologia grega, por Cloris, essa deusa das flores a partir do corpo inanimado de uma ninfa.

Essa bela flor foi consagrada a Afrodite, a Vénus da época romana, que, segundo as lendas, nasceu das espumas do mar que se transformaram numa rosa branca, representando a pureza e a inocência.

Dioniso ou Baco entre os latinos, segundo a tradição mais difundida do mito, ofereceu-lhe o seu perfume, e as Três Graças deram-lhe o encanto e o brilho com que ela pasmava os que a contemplavam.

Também Cupido, o deus do Amor, filho de Marte, deus da guerra, e de Vénus, usava uma coroa de rosas, assim como Príapo, deus dos jardins e da fecundidade.

Também a mitologia nos diz que quando a apaixonada Afrodite viu o seu amado Adónis ferido, pairando sobre ele a morte, a deusa foi socorrê-lo, tendo-se picado num espinho e o seu sangue coloriu de vermelho as rosas que lhe eram consagradas. Assim, na antiguidade, as rosas eram também usadas sobre os túmulos como símbolo de luto.

Em Roma existia um festival em honra de Flora e de Vénus chamado “Rosália”, e todos os anos, no mês de maio, as sepulturas eram adornadas com essas flores, provavelmente em alusão à morte de Adónis.

As papoilas bailantes que ainda hoje enchem os nossos campos são, a par das espigas, atributos de Deméter-Ceres, a deusa da fertilidade e do trigo, considerado símbolo da civilização, enquanto capacidade dos humanos moldarem a natureza.

Como era a deusa da agricultura, fez muitas viagens em companhia de Dioniso, deus da vinha e do vinho, para ensinar os homens a cultivarem a terra.

Teve Deméter, a Ceres romana, uma filha do seu irmão Zeus chamada Perséfone que vivia meio ano nas profundezas da Terra e outra metade vinha ajudar a sua mãe. Com o seu regresso inaugurava-se a primavera.

Também a 23 de abril se comemoravam as vinalia, festa dedicada à proteção das vinhas sob a proteção de Vénus que concedeu, segundo a mitologia, aos humanos o vinho corrente vinum spurcum. A Júpiter, como deus que regulava o clima, eram-lhe oferecidas libações com vinho benzido pelo sumo sacerdote.

Por sua vez, no templo de Venus Ericina, jovens e prostitutas reuniam-se procurando relacionamentos e ofereciam à deusa mirto, menta e juncos entre ramos de rosas, pedindo beleza.

Vivamos assim as Maias, abençoando a Terra Mãe, cultuada desde as mais remotas alturas."

Foto: Tribuna Alentejo


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