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Opinião

"É a economia, estúpido!"

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"É a economia, estúpido!"

Foto: Rádio Voz da Planície

"O governo da AD anunciou por decreto o “pacote da imigração”, promulgado em tempo recorde pelo Presidente da República. Não passaria de mero eleitoralismo, se não estivesse em causa a vida de milhares de pessoas, em setores com tanto peso na economia como a agricultura, a construção, a hotelaria ou os cuidados domiciliários", frisa Alberto Matos na crónica de opinião que pode ler e ouvir aqui.

"Vale a pena analisar o argumento publicado na página oficial da PR para justificar tanta pressa:

“Tendo presente a situação urgentíssima de regularização de muitos milhares de processos pendentes de autorização de residência, o Presidente da República promulgou um diploma específico que, respeitando as situações existentes até ao presente, evita sobrecarregar os processos de regularização em curso com novas manifestações de interesse, admitidas na legislação anterior.”

É difícil conceber tamanha hipocrisia! Em nome dos milhares de processos pendentes, o Decreto-Lei 37-A/2024 fechou a única porta eficaz à regularização de quem quer trabalhar legalmente em Portugal e aqui contribui para a criação de riqueza e ajuda a sustentar o nosso sistema de segurança social. Não foi uma mera suspensão temporária, mas a revogação por decreto de um governo minoritário de leis aprovadas por maioria absoluta na Assembleia da República, algumas já com 17 anos.

As consequências fizeram-se sentir de imediato. Recebi dois telefonemas no dia 4 de Junho: uma trabalhadora brasileira de um Lar na cidade de Beja, em funções há quase um mês, mas que só nesse dia recebera o contrato de trabalho; quando ia submeter a sua Manifestação de Interesse, a página da Internet http://sapa.sef.pt estava “em manutenção” e pouco depois foi desativada; e um restaurante do concelho de Mértola que pretendia regularizar a contratação de um cozinheiro da República Dominicana e deparou-se com o mesmo muro…

Casos destes, em todo o país, foram às centenas na última semana. E em breve serão milhares, para mais em pleno Verão, quando as ofertas de emprego disparam na hotelaria. Que solução nos propõe o governo da AD? Que as pessoas sejam despedidas, muitas das quais até já começaram a trabalhar? Que as empresas fechem portas? Que as pessoas idosas ou acamadas fiquem sem cuidados?

Ah, os consulados, esqueci-me dos consulados… A partir de agora, por magia de um decreto, os imigrantes só entram em Portugal com Vistos de Trabalho emitidos nos nossos consulados espalhados pelo mundo. Tal e qual como os portugueses que iam a salto para França, todos com Visto de Trabalho no bolso... Seria uma boa piada, se não fosse trágica. O sindicato dos trabalhadores consulares previu que as filas à porta da AIMA seriam transferidas para os consulados, que não dispõem de pessoal em quantidade e qualidade. Ou, como disse um Vice-Presidente da CAP, num frente a frente comigo na RTP: “esperemos não voltar ao tempo em que os trabalhadores e as empresas esperavam 11 meses por um visto consular…”.

Na ausência de resposta atempada, os patrões vão recorrer cada vez mais ao trabalho ilegal e à subcontratação de mão-de-obra através de máfias internacionais que também controlam o acesso aos consulados, a milhares de quilómetros, onde Estado português não tem nenhum controlo. Basta lembrar os casos de Bissau ou de Kiev, onde Portugal foi obrigado a encerrar a secção consular durante anos, no início deste século.

Só em Portugal, em contacto direto com a entidade patronal é possível estabelecer uma relação de trabalho minimamente equilibrada. Era este o mecanismo da Manifestação de Interesse, na qual o imigrante solicitava Autorização de Residência e fornecia o nome, morada, número de Passaporte, NIF, NISS e a prova de descontar para a Segurança Social. A isto é que o Chega chamava “uma bandalheira”… A partir de agora serão milhares de indocumentados, sem identificação nem acesso a cuidados de saúde, educação e segurança social.

Entretanto, os cerca de 400 mil processos pendentes, que serviram de pretexto para a promulgação deste Decreto, continuam em lista de espera, devagar, devagarinho... Significativamente, o ministro Leitão Amaro não se comprometeu com nenhum prazo: nem um ano, nem dois. A única medida concreta que entrou de imediato em vigor foi o fim das Manifestações de Interesse. O resultado é que até ao fim deste ano teremos mais uma dezenas de milhares de imigrantes a trabalhar sem documentos, a somar aos 400 mil que aguardam Título de Residência, a sua renovação ou o reagrupamento familiar.

Se antes diziam que era “uma bandalheira”, que nome havemos de dar a este brinde do governo da AD e do seu PR ao Chega e à economia paralela?

* * * * *

Não me alongarei sobre os resultados das eleições europeias. Sublinho a primeira derrota da AD, apesar de estar há dois meses a governar em modo de “comité eleitoral”, com “pacotes” para todos os gostos…

A queda para metade, em três meses, da votação na extrema-direita prova que esta pode ser travada. O espetáculo indecoroso da caravana do Chega contra os imigrantes, em Vila Nova de Milfontes, traduziu-se na perda de 250 votos e na passagem de primeira a terceira força política nesta freguesia.

À esquerda, obviamente, os tempos são difíceis. Porém, deu-me um certo gozo ouvir os comentadores que davam como certa a não eleição por parte do Bloco e do PCP, quando muito um do Livre… No final da noite, nem um leve reconhecimento do erro, apesar da eleição de Catarina Martins e João Oliveira que vão integrar o grupo parlamentar da Esquerda no PE – com tanta isenção, há por aí novos bugalhos a despontar.

E se à esquerda a palavra de ordem é resistir, que o diga a França! Donde, no entanto, chegam boas notícias: depois da vitória da extrema-direita nas europeias e da convocação de eleições para 30 de Junho, há acordo para uma nova Frente Popular entre a França Insubmissa, Verdes, PCF e PS, aberta a novas adesões. Crescem apelos à unidade do mundo sindical, associativo, cultural e político. Em 2022, a coligação destes quatro partidos ficou em segundo lugar nas legislativas e foi decisiva para derrotar a extrema-direita.

Nestes dois anos, o partido do Presidente Macron aprovou, entre outras, a nova Lei de Imigração com o aplauso de Marine Le Pen, um mau presságio para o Pacto das Migrações da UE que resultou do acordo do PPE de Ursula von der Leyen com a extrema-direita de Giorgia Meloni, arrastando o voto dos socialistas. Em toda a Europa, a atitude face à imigração é hoje uma pedra de toque entre a defesa e aprofundamento da democracia ou a cedência à extrema-direita. Lá como cá.

Notícia de última hora: o líder do partido da direita tradicional francesa, herdeiro do RPR de Chirac e Sarkozy, propôs uma coligação com a extrema-direita. Novas razões para dar força à Frente Popular! Desejando que as coisas corram pelo melhor em França, havemos de voltar a esta conversa, lá para o fim do Verão.

Se não houver novidades antes, teremos eleições autárquicas em 2025. A esquerda não pode estar conformada e muito menos condenada a desaparecer. Lá como cá!"

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