Foi no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa que nasceu a primeira consulta de Oncosexologia em Portugal. Atualmente, já existe em Coimbra e está a ser desenvolvida no IPO do Porto.
Lúcia Monteiro, sobre os problemas sexuais e o cancro da mama, começa por referir que “não sendo propriamente um orgão sexual genital”, a mama tem “um simbolismo sexual imenso”.
“Um cancro na mama afeta, naturalmente, a esfera sexual”. Só a própria notícia de ter um cancro tem um grande impacto psicológico, o que provoca uma disfunção sexual, provoca um desvio do interesse da atividade sexual normal, pois “todo o espaço emocional é invadido com o medo, a angústia de morte e com a possibilidade de morrer muito mais cedo do que se está a pensar”, sublinha a psiquiatra responsável.
Logo no início começa a afetar os doentes, frisa, e depois, o facto de ser um cancro na mama “é sentido pela mulher como uma perda da sua capacidade erótica, perda de capacidade de se tornar objeto de desejo do seu companheiro, ou companheira”.
Lúcia Monteiro esteve na consulta de Oncosexologia em Lisboa desde o início e explica que a clínica é composta por uma equipa multidisicplinar, que integra várias especialidades, entre elas a ginecologia, oncologia, radioterapia, psiquiatria, e, pluriprofissional porque conta com diversos profissionais, como enfermeiros, médicos, psicólogos.
Dentro das diferentes especialidades da clínica existem várias consultas abertas, e sobretudo, têm canais de referenciação de doentes de forma muito mais rápida do que se não existisse esta consulta.
Dirigindo-se aos profissionais de saúde, Lúcia Monteiro sublinha que só devem ir para a consulta de Oncosexologia os problemas mais graves, ou seja, os probelmas que as equipas oncológicas na “linha de frente” não conseguem abordar ou tratar.
“Nós já sabemos que uma doente que faz radioterapia vai ter secura vaginal, já sabemos qua a doente que faz quimioterapia depois dos 40 anos provavelmente vai entrar em menopausa precoce e vai ter secura vaginal, já sabemos que uma mulher que tem uma cicatriz tem uma pertubação da imagem corporal” e estes problemas expectáveis, segundo a psiquiatra, “são tão frequentes que devem ser abordados de imediato pelas equipas”, que devem fazer uma intervenção precoce e devem ter formação para tal.
A consulta no IPO serve para receber os casos mais complexos, como pessoas com disfunções conjugais, que já tinham previamente problemas neste âmbito, ou que a “linha da frente” não conseguiu resolver. “Intervimos quando os tratamentos 'padrão' não resultaram”.
Pela sua experiência, no início, as pessoas não estão motivadas para a vida sexual, têm outras precupações com o seu corpo, com a sua sobrevivência e tudo isto retira a disponibilidade para o sexo.
No entanto, quando o casamento ou relação amorosa é de qualidade, os casais resistem a todo o processo da doença, ainda que sejam largos meses de abstinência sexual, não perdem a sua intimidade. Por outro lado, a médica diz que relações disfuncionais, ou em que já existe uma distância afetiva prévia, “geralmente não aguentam uma experiência oncológica”. Nestes casos, a reabilitação psicosexual é mais complicada porque é preciso lidar com uma doente que tem sintomas sexuais e que não tem parceiro para a apoiar.
O tratamento é longo e “mais tarde ou mais cedo há uma necessidade do casal de se reaproximar sexualmente”. Já numa fase de reabilitação, as pessoas que vão à consulta muitas vezes continuam a sua abstinência por terem medo de ser rejeitadas, e questionam se ainda são objeto de desejo, se a sua cicatriz modifica a perceção do seu parceiro ou parceira.
O casal não sabe bem como recomeçar. Os complexos da autoimagem deformada e a baixa autoestima influencia diretamente essa reaproximação e, por vezes, é uma questão de comunicação entre o casal. Aqui os técnicos de saúde mental podem intervir e ajudar a desbloquear alguns “mal entendidos” ou “não ditos” entre os casais, para que consigam retomar a sua vida sexual, refere Lúcia Monteiro.
A especialista nesta área deixa ainda uma mensagem fundamental, pede às doentes de cancro de mama que falem com os seus médicos das suas dificuldades que dizem respeito às questões sexuais. No entanto, ressalta que deve ser a equipa de profissionais de saúde a fazer perguntas sobre a vida sexual das doentes, tal como se fazem perguntas relacionadas com outros sintomas, isto porque “as pessoas têm imenso pudor em falar de sexo”, no âmbito da consulta.
Estas perguntas “normalizam” o sexo como uma potencial área de sequelas dos tratamentos oncológicos. A doente, o companheiro, a companheira, passam a sentir-se mais à vontade para falar sobre os problemas sexuais que possam surgir.
Lúcia Monteiro diz que muito dificilmente os doentes decidem espontaneamente falar destes problemas e, por vezes, intervenções simples, como a utilização de lufribicante, ou massagens sexuais, podem resolver estas questões.
“Se tiver problemas sexuais, que ache que são consequência da doença, sejam eles quais forem, fale com a enfermeira, fale com o médico, peça ajuda porque há ajuda”, conclui Lúcia Monteiro.
Oiça a entrevista completa com a médica responsável pela clínica de Oncosexologia do IPO de Lisboa, na rubrica “Uma Questão de Saúde” desta semana. Clique aqui.
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