Ao longo de sete semanas foram sendo revelados os sete capítulos que compõem este disco-filme, que mais parece de mistério e ficção, mas que pode bem representar o turbilhão de sentimentos que nos invade a cabeça e cria a realidade dos nossos dias. Nos sete capítulos, David Fonseca contracena com várias figuras conhecidas, artistas e desportistas, e a primeira aventura pelo The Palace, que foi revelada num episódio de 14 minutos acompanhado por 'Chasing The Light', é um convite para a fuga do que torna os dias sombrios, na procura da chama interior, do amor próprio e de uma vida independente. No final, Filomena Cautela surge, sem aparente ligação com o que aconteceu até aí, e a curiosidade para ver o próximo capítulo de 'Living Room Bohemian Apocalypse' adensa-se, tal como nos acontece ao vermos uma daquelas séries na qual nos viciamos logo no primeiro episódio.
O segredo é esse e David Fonseca sabe utilizá-lo, sabe como prender o espectador à história e o ouvinte à música. O segundo capítulo, 'Live It Up', começa exatamente onde acaba 'Chasing The Light' e assim sucessivamente, ligando cada uma das canções deste disco-filme, que nos faz vaguear entre o espaço de conforto e procrastinação de uma mente sobrelotada pelo quotidiano e as múltiplas personagens e situações nas quais se desdobram os seus sentimentos e que, ora são um déjá-vu, ora nos surpreendem.
Um bom disco e um bom filme, são assim mesmo. Tanto nos fazem sentir confortáveis no sofá, como a seguir nos atiram para o desconforto do chão frio. Há em 'Living Room Bohemian Apocalypse' um retrato bem feito de uma questão que ainda é, em muitos casos, um monstruoso tabu, a saúde mental. A personagem representada por David Fonseca deambula entre o amor e o medo de amar e não ser correspondido, entre a segurança do nosso espaço interior e as fobias que nos esperam no exterior, mas há sempre também lugar para a esperança, algo inerente às suas composições. E em 'I Gotta Learn How To Let You Go', mais uma vez o desamor e mais uma vez a superação. Desta vez, o papel da consciência cabe ao carismático Joaquim Monchique.
A única voz convidada para acompanhar a viagem de 'Living Room Bohemian Apocalypse' é a de LIBRA, que estreou o seu primeiro EP, 'Sleepwalker', no final de 2021, e faz com que 'Love Me or Leave Me' não se torne apenas em mais um momento dedicado ao amor e à linha ténue entre a correspondência de sentimentos e um pragmático adeus, tal como o título revela. Aqui, a sonoridade muda e, podemos dizer sem ofensa, que parece menos David Fonseca e mais LIBRA, o que acaba por tornar este disco ainda mais sensorial e eclético, conferindo a versatilidade de um dos maiores criadores de canções da atualidade.
Poderá parecer exagerado, mas há algo de David Bowie em David Fonseca, e não é só o David, e não tivesse também o primeiro uma gigantesca influência no segundo e bem assumida. Mas, ao ser camaleónico, Fonseca consegue ser também respeitador nas referências que utiliza nessas transformações e nunca exagera. 'Living Room Bohemian Apocalypse' é um disco, um filme e, mesmo não sendo um livro, tem muito para ler, porque as letras destas sete canções complementam na perfeição este trabalho subtil e inteligente, de onde também fazem parte o lado mais alternativo em 'In The Zone', a balada bem acompanhada de um som mais orquestral em 'Not You' e o último capítulo com 'Falling Out of Love', que nos leva até à praia para concluir esta viagem de reflexão e de purga, criada pela mente genial de David Fonseca.
Um disco para ouvir na Rádio Voz da Planície e para ver e ler por completo no Youtube.
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